O reajuste por sinistralidade consiste em uma fórmula comumente prevista nos contratos dos planos e seguros de saúde coletivos, utilizada para calcular um índice de reajuste a ser aplicado sobre a mensalidade, caso a despesa anual que a operadora teve com aquele grupo de beneficiários ultrapasse um determinado percentual da receita do mesmo período.
O percentual máximo de sinistralidade, também conhecido como break even point ou ponto de equilíbrio, deve estar previsto em contrato e é geralmente fixado pelas operadoras em 70% (setenta por cento) do valor da receita.
Esta previsão contratual permite que as operadoras apliquem o reajuste por sinistralidade em percentual ilimitado, para manter as despesas desses contratos abaixo do break even point, garantindo uma razoável margem de lucro e eliminando o fator risco de sua atividade.
A aplicação de reajustes por sinistralidade em contratos de planos de saúde coletivos é uma das matérias pouco regulamentada pela legislação e tem sido motivo de muitos litígios, apresentando-se como um dos principais temas mais discutido na Justiça.
A Lei nº 9.656/98[1] não trata especificamente deste reajuste, apenas determina que o valor da mensalidade do plano de saúde e os critérios para seu reajuste devem estar claramente previstos no contrato.
A Resolução Normativa nº 195/2009 da ANS apenas estabelece que nenhum contrato poderá receber reajuste em periodicidade inferior a doze meses, com exceção aos reajustes por mudança de faixa etária[2].
Na prática, os contratos coletivos recebem anualmente um aumento, que é composto pela variação da inflação médica, também conhecido como reajuste financeiro, e do reajuste por sinistralidade, além dos reajustes por mudança de faixa etária de seus beneficiários.
Com relação aos grupos com menos de trinta vidas, conhecidos como PME’s – pequenas e médias empresas, existe uma regra específica para a aplicação do reajuste por sinistralidade.
Em outubro de 2012, a ANS editou a Resolução Normativa nº 309, obrigando todas as operadoras e seguradoras a agruparem os contratos de planos coletivos que mantêm com menos de 30 vidas, para que a apuração do índice de sinistralidade seja feita naquele conjunto de contratos agrupados, o que levará à aplicação do mesmo índice de reajuste para todos os contratos.
Porém, a RN 309/2012 excepciona do cálculo do reajuste por agrupamento os contratos de planos de saúde exclusivos para inativos (ex-empregados demitidos ou aposentados), regulamentados pela RN 279/2011, bem como os contratos firmados antes da vigência ou não adaptados à Lei de Planos de Saúde.
Os questionamentos acerca do reajuste por aumento de sinistralidade baseiam-se, principalmente, na falta de clareza para a sua apuração, favorecendo um aumento unilateral de preço pelas operadoras, assim como os altos índices de reajuste que são aplicados em razão da sinistralidade, onerando excessivamente o consumidor.
Justamente por não possuir limites ou parâmetros, o reajuste por sinistralidade, em determinadas situações, pode representar distorções e inviabilizar a continuidade do contrato. Um levantamento feito pelo IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec, 2013), sobre ações judiciais discutindo o reajuste por sinistralidade em tribunais de todo o país, identificou casos levados à justiça que discutiam aumentos que variavam de 11,78% a 583,27%:
Tabela 1 – Reajustes analisados em todos os Tribunais – Brasil – 2005 a 2013
Muitas decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo reconhecem a ilegalidade da cláusula contratual que prevê o reajuste por aumento de sinistralidade:
A apelante justifica a aplicação do índice de 38,20% (trinta e oito inteiros e vinte centésimos) para o reajuste, no aumento da sinistralidade ocorrido no contrato; entretanto, não faz qualquer prova acerca de suas alegações. Verifica-se a abusividade e lesividade do reajuste previsto como base na cláusula contratual 16.1 das condições gerais do contrato, inclusive, pela dificuldade de entendimento, pois traz fórmula inacessível, como abaixo transcrita:
“16.1 (…) as Taxas Mensais de Manutenção, expressas em reais, serão corrigidas com base na variação dos custos dos serviços hospitalares e/ou médicos, dos preços dos insumos utilizados na prestação desses mesmos serviços e dos custos administrativos apurados, respeitando-se a seguinte equação:
IRMS = (C x P1) + (E x P2) + (S x P3) + (DT x P4) + (MM x P5) + (DG x P6) SENDO:
IRMS = Índice de reajuste Medial Saúde;
C = Variação dos preços das consultas;
E = Variação dos preços dos exames;
S = variação dos preços dos salários;
DT = Variação dos preços das Diárias e Taxas Hospitalares;
MM = Variação dos preços de Materiais e Medicamentos;
DG = Variação dos preços das Despesas Gerais;
P = Pesos aplicados nos respectivos itens da fórmula” (fls. 38).
A fórmula de reajuste adotada ostenta evidente hermetismo e confere, à seguradora, a possibilidade de, sem qualquer controle do contratante, adotar os percentuais que desejar, obstada ou, ao menos, muito dificultada qualquer impugnação. Criou-se, em verdade, um verdadeiro malabarismo matemático.
Tal como o ressaltado, com absoluta propriedade, por Arnaldo Rizzardo (Contratos, 2ª ed., Forense, Rio de Janeiro, 2001, pp.586-588), não se leva em consideração o tempo decorrido desde o início da relação contratual, persistindo absoluta falta de coerência com o sistema previdenciário ou atuarial próprio aos contratos de seguro, inchando encargos na medida em que as necessidades se fazem sentir mais frequentemente e provocam aumento de despesas.
A par disso, não há como se considerar válido o reajuste, eis que a cláusula acima descrita é incompreensível e, destarte, não há como se considerar corretas as justificativas da apelante para aplicação do índice pretendido (TJSP, 2013m).
Dessa forma, é possível observar que o Poder Judiciário tem impedido reajustes por sinistralidade com índices abusivos, que podem comprometer a manutenção do contrato, além de estarem baseados em cláusulas obscuras, de difícil compreensão, que não permitem ao consumidor ter a real compreensão do reajuste a que está sujeito.
*Rafael Robba, advogado, bacharel em Direito pela Univ. Santo Amaro – UNISA, pós-graduado em Responsabilidade Civil pela Fund. Getúlio Vargas (FGV), Mestre pela Faculdade de Medicina da USP e sócio do escritório Vilhena Silva Advogados. OAB: 274.389
[1] Art. 16. Dos contratos, regulamentos ou condições gerais dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei devem constar dispositivos que indiquem com clareza: (…) XI – os critérios de reajuste e revisão das contraprestações pecuniárias.
[2] Art. 19 Nenhum contrato poderá receber reajuste em periodicidade inferior a doze meses, ressalvado o disposto no caput do artigo 22 desta RN.